Dificuldade em aprendizagem muitas vezes vai além dos problemas da criança. O fracasso escolar, na avaliação da doutora Nadia, é o fracasso do próprio sistema de ensino. Com mestrado em psicologia da Educação pela PUC de São Paulo e doutorado em psicologia e educação pela USP, a psicopedagoga coordenou uma feita durante cinco anos nas escolas públicas de São Paulo. O grupo de pesquisadores buscava saber as causas da dificuldade de aprendizado escolar para estabelecer prioridades de mudanças na política educacional. O estudo revelou que de cada quatro alunos que concluem o ensino fundamental, três saem do ensino fundamental sem saber ler, escrever e fazer as quatro operações matemáticas (adição, subtração, divisão e multiplicação).
Nadia Bossa vai apresentar na 18ª Educar, o congresso internacional de educação, aberto nesta quarta-feira (18), no Centro de Exposições Imigrantes, em São Paulo, alguns resultados de sua pesquisa em uma palestra sobre o fracasso escolar. Em entrevista ao G1, ela diz que os problemas de aprendizagem revelam uma “infecção” no sistema educacional que, como tal, precisa ser tratado.
O que a neurociência nos ensina sobre o aprendizado?
O ensino funamental acontece numa fase da vida da criança que biologicamente temos todas as possibilidades de aprendizado. Uma vez superada esta idade tudo o que se construir não terá o efeito na constituição cerebral. Estamos perdendo o melhor momento do desenvolvimento da criança, que é dos 4 aos 14 anos. Se isso não acontece na idade adequada, estamos limitando a inteligência do povo. Se não usarmos os nossos neurônios nas atividades requeridas pelas atividades acadêmicas estas ligações não vão acontecer, e na vida adulta vamos ter de conviver com uma população com capacidade de raciocínio limitada.
Estudantes em sala de aula (Foto: TV Globo
/Reprodução)
Como qualificar um fracasso escolar?
A autonomia intelectual que a escola deveria garantir ao aluno não existe. A gente observa que os alunos concluem ensino fundamental e médio sem condições de fazer a leitura de um texto simples. Eles não compreendem as quatro operações fundamentais de forma que elas possam ser utilizadas na vida cotidiana. O que a gente aprende na escola nada mais é que a vida escrita em uma outra linguagem. Não saber interpretar este esquema de representação desvincula a escola da vida. O que se aplica na escola não se aplica na vida, o que se aprende na vida não serve para interpretar na escola. Está aí o grande fracasso. E isso piora a cada ano. Quando se eliminou a questão da reprovação, os alunos e professores não tinham mais instrumento numérico para avaliar a questão da aprendizagem, a coisa foi se agravando. Tirou-se a reprovação e não se colocou outro instrumento. Quem concluiu o ensino fundamental em grande parte sai da escola sem sequer saber ler e operar de verdade as quatro operações fundamentais. Então podemos dizer que o fracasso escolar é o fracasso do sistema educacional. É um sintoma que revela que a educação brasileira vai de mal a pior.
E de quem é a culpa pelo fracasso? Do aluno, da escola ou dos pais?
Em vez de fracasso, prefiro dizer que a responsabilidade pelo sucesso de uma criança na escola é dos nossos governantes e das famílias naquilo que teriam como direito de exigir dos governantes.
Quais as principais causas para o fracasso de um aluno na escola?
Um grande número de alunos que estão concluindo o ensino fundamental sem condições de ler e escrever e operar as quatro operações tiveram interferência por variáveis que vão desde a qualidade do ensino, e esta questão é a primordial, aliado à desestrutura familiar, muito mais decorrente de fatores sócio-econômicos e, em uma escala menor, de problemas de saúde física, emocional. Problema emocional, cognitivo e pedagógico tudo misturado. Para um aluno ter um desempenho razoável na escola são necessários desde a alimentação saudável até ter a condição emocional e cultural para levar a escola com a devida seriedade. Temos crianças mal alimentadas, famílias desestruturadas, um tremendo equívoco da função da escola pela população. Muitas vezes nem mesmo os professores sabem qual é o objetivo e o porquê de ter determinados conhecimentos. Família e estudantes também não sabem para que serve todo aquele conteúdo. A pessoa se pergunta: “Por que preciso saber história, geografia, equação?”. São tantos outros apelos na vida, existem tantas outras coisas interessando as crianças e adolescentes, que fica difícil para escola e o conhecimento tomar um lugar de destaque na mente do jovem.
A parceria entre escolas e família é fundamental. Mas como uma escola pode ser parceira de todas as famílias de centenas de alunos?
A escola deveria se aproximar mais das famílias. É preciso que alguém ensine porque os pais precisam respeitar o professor, dar a devida importância para as tarefas escolares, ensinar os filhos a terem cuidado com o patrimônio das escolas, e sobre a importância dos livros. Se os pais não sabem, eles não vão saber por que fazer e como fazer. Muitas vezes o professor diz para os pais que o filho está tendo problemas de aprendizagem. Mas os pais não sabem o que fazer. Um responsabiliza o outro. Além disso, as políticas educacionais vêm de cima para baixo sem uma base segura. Quem ocupa os cargos mais importantes politicamente na educação nunca é um educador, mas um advogado ou economista, que certamente não tem a sensibilidade, percepção e visão de um educador.
Pesquisa mostrou que estudantes saem da escola
sem saber ler e escrever (Foto: TV Globo/
Reprodução)
E o professor, o que pode fazer?
Percebemos que muito professor não tem o devido conhecimento na área à qual ele é formado e devia ser especialista. E, para piorar, tem a questão da inclusão. Eles têm dentro de sua sala de aula os alunos de inclusão portadores de algum tipo de transtorno, que têm direito à educação. Mas o professor precisa de assistência para isso, e muitas vezes isto não acontece. E além do conteúdo didático o professor precisa tratar de temas transversais (como bullying, alimentação saudável, diversidade, violência no trânsito), que teoricamente teriam de estar preparados para isto também.
Um projeto de lei quer aumentar a carga horária escolar em mais 20%, e exigir frequencia mínima de 80%. Na sua opinião isso vai melhorar a educação? O problema afinal é quantidade ou qualidade do ensino?
O problema é a qualidade. É muito bom que se aumente a quantidade de horas, mas isto deveria acontecer depois de melhorar muito a qualidade do que se ensina a escola. Do que adiante mais tempo para ficar na escola sem nada aprender? O professor fica mais tempo envolvido em uma tarefa para a qual ele está preparado.
Qual seria o caminho para melhorar este quadro?
A primeira coisa é fazer este alerta, conscientizar o povo usando todos os espaços para fazer um retrato verdadeiro da situação da nossa escola e identificando alguns dos maiores problemas quem sabe se consegue mudar alguma coisa. Se o fracasso escolar é um sintoma dos nossos tempos do nosso país e este sintoma, como uma febre, indica uma infecção, também indica uma doença do nosso sistema educacional que se não tratada em breve vai inviabilizar a possibilidade de crescimento do nosso país. O que se estuda sobre educação e o que se pesquisa nunca sai de dentro da universidade porque quem ocupa os postos de grandes tomadas de decisões não são os grandes estudiosos e pesquisadores.
de g1